sexta-feira, 11 de maio de 2007

Papo de antropólogo urbano

Conhece o "você sabe com quem está falando?" de quem opta pelo mundo do crime? É a hora que ele aponta um 38 velho pra sua cara. Diferente do playboy que pergunta "você sabe com quem está falando?" porque tem um parente endinheirado e/ou influente que, tacitamente, endossa qualquer atitude do FDP.

O "você sabe com quem está falando?" do bandido é tão efetivo quanto o do playboy, já que jiu-jitsu nenhum torna o corpo imune à bala, obviamente. A diferença é que, para o bandido, o que transforma o playboy em vítima em potencial é exatamente o "você sabe com quem está falando?" dele. O playboy tem, o bandido quer.

Eu aprendi isso em quatro anos como pesquisador no Setor P-Sul. Os caras vão "pros trabalho", vão "trabalhar". Isso é posição e situação de classe. Eu não estou falando de pobre e rico, mas de bandido e alvo. Nem todo pobre é bandido, claro. Nem todo alvo é rico. O alvo é quem está no lugar errado e na hora errada. O encontro entre os dois mundos engendra uma "negociação da realidade". O resto do mundo pára. É só você e ele, e você vai perder. Afinal, você sabe com quem está falando?

Como diz o Mano Brown, "a senzala avisou, mauricinho agora paga o preço". Ou, referindo-se a um contexto bem distinto, como diz a Tracy Chapman, "choose sides or run for your life".

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Dia das Mães

Tem coisas que marcam nossas vidas. Pense na sua vida, na memória mais remota da sua infância. Quem estava lá com você?

Eu tenho antigas lembranças em preto e branco de uma moça bonita, de vinte e poucos anos, branquinha, de olhos claros: minha mãe. O corpo dela foi meu primeiro abrigo, minha primeira fonte de sustento.

Mas ser mãe não é apenas ser genitora e provedora. Os sentimentos ligados à maternidade não estão, penso eu, necessariamente vinculados à vida intra-uterina e à amamentação. Que o digam as mães que escolhem amar seus filhos adotivos como se fossem biológicos.

Ser mãe é, sobretudo, amar e ensinar. Educar para a cidadania e para o respeito ao outro. Quem me ensinou isso foi minha mãe, cristã, que sempre disse que Jesus Cristo era exemplo do varão perfeito. Ser mãe é acolher e acalentar, como fez Maria, mãe de Jesus. Ser mãe é instruir, orientar para o bem, como também fez a minha.

Hoje, aos 29 anos, não sou mais o menino da década de 80, encantado com aquela moça bonita e doce. Eu sou o cara que cresceu ouvindo “homem é aquele que olha para o alto”. E a moça bonita, que sempre teve razão em quase tudo, tornou-se uma senhora bonita que, aos 51 anos, prefere a roça à cidade, o jardim do sítio à vista do apartamento vizinho.

Há muito tempo li que ser mãe é padecer no paraíso. Isso eu acho que nunca vou entender...

À minha mãe, pelo maior legado dos pais para os filhos: o amor e a educação, e a todas as mães, a homenagem mais sincera. Os versos de uma poesia de um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos, o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade. Poesia essa musicada por Milton Nascimento e gravada no álbum Clube da Esquina 2, de 1978, ano em que eu nasci.

Canção Amiga (C.D.A.)

Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.

Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.

Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.

Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Cego e surdo

Tem gente que deveria pensar antes de rebolar. Tem gente que deveria pensar a rebolar.

Tem tempo que não penso sociologicamente. Tem tempo que não reflito nem mesmo sobre a Síndrome de Donnie Brasco. Tem tempo que não escrevo ensaios antropológicos. Nunca senti saudades da UnB, eu acho; mas ouvir Thaíde e DJ Hum, depois de anos, despertou uma lembrança nostálgica de livros resenhados em madrugadas insanas e ensaios escritos depois do prazo de entrega. Como era bom ser um estudante picareta e ter boas notas!

Mas como é extremamente mais difícil ser cego e surdo no Brasil. Principalmente quando você vê um deputado corrupto chorar na televisão numa semana, e duas semanas depois você ouve os versos "o deputado foi fisgado e pra dar uma de coitado chorou feito criança em frente à tela. Safado, ladrão de pai de família trabalhador. Tinha que ter saído da CPI e ido direto pr'uma cela limpar cocô de corredor em corredor".

O álbum "Assim caminha a humanidade", de Thaíde e DJ Hum, foi lançado em 2000, e continua extremamente pertinente. O mote do cenário político brasileiro é a corrupção. Ninguém confia nos políticos como um todo, independente de partido.

Aliás, no Brasil, partido parece time de futebol, e político, jogador. Só eleitor não é que nem torcedor. Torcedor torce porque quer, por opção. Eleitor vota porque é obrigatório. Será que um dia haverá vontade política para tornar o voto facultativo?

É melhor ser cego e surdo ou rebolar sem pensar?