terça-feira, 30 de julho de 2013

Você, de quem lembro ter uma bala na agulha

Mais um conto adolescente...


Minha cabeça chacoalha involuntariamente enquanto ouço o baixo pesado de Les Claypool em “The Family and the Fishing Net”. Mas isto já não me faz mais lembrar você. 

Só penso em lembrar dos seus olhos, nada mais. Nada. Seus olhos sempre exprimiram a grandiloqüência da convicção. Eram quase espirituais...

Nem todas as lembranças se apagam. Algumas são como tatuagens. Eternizadas. Geralmente as muito boas e as terrivelmente más. É notável o antagonismo entre elas, mas são as que ficam. Por si só, extremadas.

Lembro do seu extremismo. Era algo que sempre deixava você um passo a frente de todos. Um passo e um tombo a frente dos outros. Mas você era boa sob pressão, tinha tudo sob controle. Até demais...

Então não devo mais desejar? Não. Mas não posso esquecer. Você sempre foi a dona da situação. Você.

Sobrou em mim uma ferida feita na carne, um pensamento até involuntário, uma saudade atroz, uma mordaça no meu espírito. Alguma melodia triste de algo que não consegue se lembrar minha memória fatigada. Talvez uma quase determinação em acreditar que nem tudo é ao contrário.

Você sempre teve a faca e o queijo na mão...

01-99 (Brasília - Distrito Federal)





segunda-feira, 15 de julho de 2013

Hoboken


Em "Estilos de Antropologia", publicação da Editora da Unicamp, há um bom artigo da antropóloga Mariza Peirano sobre o desenvolvimento da disciplina no Brasil e na Índia. A partir de estudos comparativos, a professora da Universidade de Brasília discute como as visões de mundo de intelectuais brasileiros e indianos diante das realidades de seus respectivos estados nacionais se relacionam com sua produção intelectual e sua postura como cidadãos. Ou coisa parecida...

Longe de mim transformar esse espaço - quase sempre mais lúdico que lúcido - em chatice de antropólogo com pós-graduação; coisa que não sou. Mas não posso me furtar à certa reflexão nem à livre manifestação do pensamento.

Peirano diz que, no caso brasileiro, "o engajamento político do intelectual o ajuda na sua procura de identidade: estudando o indígena, o camponês, o negro, o caipira, as classes urbanas empobrecidas, o antropólogo está escolhendo como objeto de estudo os grupos 'despossuídos' ou 'oprimidos' da sociedade". Segundo ela, "temos os pés fincados no próprio país; é aqui que nossa identidade se desenvolve no dia-a-dia das definições políticas e cívicas, entre padrões de saber que importamos tanto quanto entre os modismos."

E refletir sobre o papel do intelectual brasileiro como um cidadão engajado politicamente me faz lembrar do potencial revolucionário da disseminação do conhecimento. Qualquer conhecimento. Inclusive, música.

Aliás, disseminar música boa é cidadania pura! E engajamento político. Afinal, não existe revolução sem trilha sonora. Ou, pelo menos, não deveria existir. 

Boa manobra léxico-semântica?

Vocês precisavam conhecer "Yo La Tengo", banda de Hoboken, em New Jersey, para dimensionar minhas verdades...


Mas, afinal, quem se importa com as verdades alheias?

Road to perdition

Há vinte anos, no primeiro ano do Ensino Médio, li em um texto curto, publicado em um livro didático de inglês, provavelmente da Editora Ática, que os esquimós, ou Inuit (“comedores de carne crua”), teriam em sua língua nativa dezenas de palavras para se referir à neve. Não havia Internet, e eu simplesmente aceitei aquela informação, sem questioná-la.

Ainda na adolescência, foi meu fascínio pela comunicação como expressão que me levou ao estudo sistemático da língua inglesa, a partir dos 16 anos. Descobri que, tal qual os Inuit, os britânicos tinham outras dezenas de palavras para se referir à chuva.

Na época da conclusão da minha graduação em Antropologia, em 2004, meu interesse pela Rússia me aproximou de algumas moscovitas que conheci pelo ICQ, comunicador instantâneo em desuso desde a segunda metade dos anos 2000. Meu inglês era ferramenta de comunicação. O russo que eu sabia era só charme. Assim como, para elas, meu português.

Foi nessa época que comecei a refletir sobre o vocábulo “saudade”, esse sentimento tido como inequívoca herança lusitana e que, em tese, seria privilégio exclusivo dos lusófonos. Com algumas linguistas russas, cheguei a discutir sobre eventuais similaridades entre “saudade” e o vocábulo russo “носталгия” (nostalgia).

Se sentir saudades é mesmo coisa de lusófono, o que dizer sobre as nuances do sentimento? Afinal, quem não conseguiria apontar particularidades em sentir saudade, por exemplo, quando se está apaixonado?

Apaixonar-se é um mecanismo de expressão e de trocas simbólicas, bem como a comunicação.

Quase sempre, o início é caótico, com uma profusão de sentimentos confusos e contraditórios - consistentes com aquela sensação de fascínio e medo experimentada quando se está fora da chamada zona de conforto.

Você é um caminho para a perdição...