Amanhã, dia 27 de fevereiro, o CESPE divulga a lista dos aprovados no Teste de Pré-Seleção (TPS) do Instituto Rio Branco, primeira fase do concurso de admissão à carreira diplomática. E eu, que sempre menosprezei as chamadas relações exteriores e nunca havia pensado, por conseguinte, em submeter-me a tal prova, hoje espero ansioso pela divulgação do resultado.
Se passar, a radicalização do desafio é inquestionável. E como estou nessa mesmo (quase) pelo desafio apenas, não tenho nada a perder...
Quer dizer, além dos cem reais da inscrição, claro!
Mas eis que me aflige uma questão. Por que o serviço público é tido como a melhor opção de um acesso digno ao mercado de trabalho aqui em Brasília? Senão a única. Afinal, quem está disposto a trabalhar oito horas por dia por menos de 1000 reais? Quem se submete a trabalhar na iniciativa privada, sem carteira assinada nem vínculo empregatício formal, privado dos direitos trabalhistas?
Qualquer um que precise, ora bolas!
Eu, por exemplo, trabalhei numa produtora de cinema, institucionais e documentários entre abril de 2005 e agosto de 2006, sem qualquer vínculo formal. Quando meu antigo patrão resolveu me dispensar, já que a empresa dele estava prestes a "quebrar", não recebi nada. Nenhum benefício assegurado por lei. Nada mesmo.
O que eu fiz?! Nada, infelizmente. Se tivesse tentado qualquer coisa no campo legal, poderia ter mesmo "queimado meu filme", já que o mercado audiovisual aqui é tão provinciano quanto o é a Cidade Modernista; e meu antigo patrão é referência na produção executiva de longas-metragens aqui.
Com ele, já trabalhei em set de filmagem por 22 horas, ininterruptamente, como assistente de platô. Das 5 às 3 da manhã do dia seguinte: a diária mais "punk" que encarei no cinema, suficiente para desistir da pretensão de ser cineasta. Ser cineasta é mesmo profissão de pequeno-burguês que trabalha que nem peão, e vive do glamour conferido às atividades cinematográficas. Tudo peão. Menos o roteirista, claro!
Eu sou documentarista. Não sou cineasta. Mas privado de dinheiro depois de três meses desempregado, com aluguel atrasado e dívidas, senti-me coagido a voltar a dar aulas de inglês como língua estrangeira, que paga pouco e exige muito.
Foda! Puta que pariu. Vou ter mesmo que passar no concurso da ANVISA. Ou Itamaraty, se passar no TPS.
There's room for you inside - Pink Floyd
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
domingo, 25 de fevereiro de 2007
Eremias Delizoicov (2)
Acabei de devorar o livro "Náufrago da Utopia", do jornalista Celso Lungaretti. Lungaretti militava no movimento estudantil secundarista no final da década de 1960. Com o recrudescimento da repressão contra a mobilização popular que reagiu contra o autoritarismo da Ditadura, em 1968, ele adere à luta armada. Ingressa na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) com outros secundaristas, dentre eles seu velho amigo Eremias.
Eu sou absolutamente passional e bem pouco meditativo. Quem me conhece, sabe. Desde ontem de manhã, tenho crises de choro lendo o livro ou pensando na leitura.
Por algum mecanismo psi cujo funcionamento desconheço por inteiro, reconheço-me em Eremias. Talvez porque, na adolescência, sentia-me inútil em um mundo onde mais valia o que você tinha, e não quem você era; e que hoje, aos 28 anos, me deprime, mutila meu sorriso. Aos 17 anos, depois de ler "Meu Amigo Che", sentia que deveria ter nascido numa época onde o ideal (cristão?) de se oferecer como cordeiro ao sacrifício por uma causa maior fazia sentido para alguns, e sobrepunha-se ao ideal consumista dos adolescentes do meu tempo, que completam 18 anos como um rito de passagem para a aquisição da CNH e de um automóvel comprado pelos pais.
Sempre fui tido como líder negativo no Ensino Médio. Presidente do Grêmio Estudantil do Centro Educacional Setor Oeste, em Brasília, tentei destituir a Direção da escola com a publicação de um órgão informativo, redigido por mim e pago pela presidente da Associação de Pais e Mestres, também professora de Biologia, que reproduziu sem ler o conteúdo, e deu um tiro no próprio pé. Eu tinha 17 anos à época, e me senti como teria me sentido ao expropriar qualquer bem material por um ideal revolucionário...
Mas aquela "minha guerrinha de faz-de-conta" soçobrou. Sozinho, subia no banco e gritava mais alto do que todos. Quase fui linchado pelos alunos do 3º ano. O ano letivo acabou. Eu entreguei a prova de recuperação de Química em branco. Meu sacrifício aos 17 anos: imolei meu ano letivo de 1995.
A morte de Eremias, ocorrida em 1969, há quase 38 anos, quase uma década antes do meu nascimento, hoje alimenta meu ódio e faz meu estômago doer. E torna pífia e sem sentido minha luta de adolescente "engajado".
Eremias (Celso Lungaretti)
Era mau aluno,
treinava judô.
Sorriso moleque,
morreu em pedaços,
35 balaços.
Eu sou absolutamente passional e bem pouco meditativo. Quem me conhece, sabe. Desde ontem de manhã, tenho crises de choro lendo o livro ou pensando na leitura.
Por algum mecanismo psi cujo funcionamento desconheço por inteiro, reconheço-me em Eremias. Talvez porque, na adolescência, sentia-me inútil em um mundo onde mais valia o que você tinha, e não quem você era; e que hoje, aos 28 anos, me deprime, mutila meu sorriso. Aos 17 anos, depois de ler "Meu Amigo Che", sentia que deveria ter nascido numa época onde o ideal (cristão?) de se oferecer como cordeiro ao sacrifício por uma causa maior fazia sentido para alguns, e sobrepunha-se ao ideal consumista dos adolescentes do meu tempo, que completam 18 anos como um rito de passagem para a aquisição da CNH e de um automóvel comprado pelos pais.
Sempre fui tido como líder negativo no Ensino Médio. Presidente do Grêmio Estudantil do Centro Educacional Setor Oeste, em Brasília, tentei destituir a Direção da escola com a publicação de um órgão informativo, redigido por mim e pago pela presidente da Associação de Pais e Mestres, também professora de Biologia, que reproduziu sem ler o conteúdo, e deu um tiro no próprio pé. Eu tinha 17 anos à época, e me senti como teria me sentido ao expropriar qualquer bem material por um ideal revolucionário...
Mas aquela "minha guerrinha de faz-de-conta" soçobrou. Sozinho, subia no banco e gritava mais alto do que todos. Quase fui linchado pelos alunos do 3º ano. O ano letivo acabou. Eu entreguei a prova de recuperação de Química em branco. Meu sacrifício aos 17 anos: imolei meu ano letivo de 1995.
A morte de Eremias, ocorrida em 1969, há quase 38 anos, quase uma década antes do meu nascimento, hoje alimenta meu ódio e faz meu estômago doer. E torna pífia e sem sentido minha luta de adolescente "engajado".
Eremias (Celso Lungaretti)
Era mau aluno,
treinava judô.
Sorriso moleque,
morreu em pedaços,
35 balaços.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
Drummond
A flor e a náusea - C.D.A.
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Eremias Delizoicov
Eremias Delizoicov (27 de março de 1951 - 16 de outubro de 1969)
Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi morto por agentes do DOI/CODI-RJ com 35 tiros ao resistir à prisão na Rua Toropi, 59, em Vila Kosmos, Rio de Janeiro.
Essa homenagem ao menino que o AI-5 e o acordo MEC-USAID forjaram homem - e como dizia minha mãe, "homem é aquele que olha para o alto" - é também uma homenagem a todos que caíram em combate, aos que "desapareceram" e aos que sobreviveram à Ditadura. Em especial, ao guerrilheiro Celso Lungaretti, amigo de infância de Eremias.
Eremias Delizoicov, filho de Jorge Delizoicov e Liubov Gradinar, irmão de Demétrio Delizoicov Neto, teve seus restos mortais incinerados em 25 de maio de 1975.
Militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi morto por agentes do DOI/CODI-RJ com 35 tiros ao resistir à prisão na Rua Toropi, 59, em Vila Kosmos, Rio de Janeiro.
Essa homenagem ao menino que o AI-5 e o acordo MEC-USAID forjaram homem - e como dizia minha mãe, "homem é aquele que olha para o alto" - é também uma homenagem a todos que caíram em combate, aos que "desapareceram" e aos que sobreviveram à Ditadura. Em especial, ao guerrilheiro Celso Lungaretti, amigo de infância de Eremias.
Eremias Delizoicov, filho de Jorge Delizoicov e Liubov Gradinar, irmão de Demétrio Delizoicov Neto, teve seus restos mortais incinerados em 25 de maio de 1975.
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