quinta-feira, 30 de abril de 2009

O contrassenso da Marcha da Maconha

Este texto não é apologético: não defende nem recrimina o consumo de maconha. Trata-se do esboço de um levantamento histórico da proibição da maconha, a partir dos Estados Unidos, para criticar a Marcha da Maconha, com bom humor.

Digressão inspirada

Para entender os porquês da Marcha da Maconha, pode ser útil uma digressão que remonte, inequivocamente, ao contexto de proibição da erva, nos Estados Unidos da América. Por trás dela, uma espécie de híbrido de Roberto Marinho e Gilmar Mendes sem toga: William Randolph Hearst.

Hearst nasceu em São Francisco, Califórnia, em 29 de abril de 1863. Era filho único de Phoebe e George Hearst, que adquirou o jornal San Francisco Examiner graças à dívida de jogo de azar, quando William Hearst estudava em Harvard. Expulso de uma das mais tradicionais e respeitadas instituições da Ivy League, e com alguma experiência como gerente de vendas do jornal Harvard Lampoon, Hearst passou a dedicar-se, aos 25 anos, à administração do jornal de seu pai. Em seguida, ele adquiriu outro, 0 New York Journal. Em seu auge, o império de Hearst chegou a mais de duas dúzias de jornais em todo país, quando um em cada 4 cidadãos estadunidenses lia seus jornais.

Em 1902, tornou-se congressista, representando o estado de Nova York, foi reeleito em 1904 e eleito governador em 1906. Na década de 1920, Hearst ampliou seus negócios, criando estações de rádio. Na de 40, tornou-se pioneiro da televisão.

Magnata das comunicações, William Hearst era um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos. O filme Cidadão Kane, de Orson Welles, foi inspirado em Hearst.

Marijuana Tax Act

Há séculos, o cânhamo (anagrama de maconha) era beneficiado para a obtenção de diversos produtos, de roupas a cordas para embarcações. No começo do século XX, a descoberta de novos processos indicava que a planta poderia ser usada para produzir plástico e explosivos. Na década de 1930, a alta produtividade do cânhamo na fabricação de papel, nos Estados Unidos, começou a ameaçar os interesses de grandes companhias, como a Du Pont e a Hearst Paper Manufacturing Division.

Em 1930, Harry Jacob Anslinger tornou-se Comissário do Bureau Federal de Narcóticos (FBN). Anslinger era tido como uma figura honesta e incorruptível, tinha sido Comissário Assistente do Bureau de Proibições, a partir de 1929, e tinha larga experiência no combate ao tráfico internacional de drogas. Não é preciso muito tutano para imaginar que o poder pessoal de Anslinger cresceria proporcionalmente à quantidade de substâncias que conseguisse proibir. Anslinger ficou conhecido como o Czar das Drogas.

A conjugação dos interesses de Hearst, Anslinger e da empresa Du Pont, entre outros, deu origem a uma campanha anti-maconha de âmbito nacional. Os tablóides de Hearst disseminaram histórias inventadas visando à demonização dos usuários, inspirando-se no ódio contra negros e hispânicos, consumidores tradicionais da erva nos Estados Unidos. Estupros e assassinatos foram inventados por Hearst para ilustrar a ameaça que a cannabis apresentava para a sociedade branca e protestante, com personagens de origem mexicana ou negros jazzistas, por exemplo.

Levando-se em consideração que um em cada 4 estadunidenses eram leitores dos jornais de Hearst, fica óbvio que a campanha anti-maconha conseguiria, em pouco tempo, atingir seu maior objetivo: garantir os interesses de William Hearst, Harry Anslinger e da Du Pont, entre outros. Em 1937, o Marijuana Tax Act foi editado, banindo da legalidade uma planta cujo uso remonta a milhares de anos.

E assim como a Lei Seca proibira a produção, a comercialização e o consumo de álcool, e acabou impulsionando o mercado negro e a Máfia italiana nos EUA, a proibição da maconha também se deveu a interesses pessoais e econômicos, com inequívocas consequências socioculturais dentro e fora dos Estados Unidos. Progressivamente, a propaganda anti-maconha conseguiu alastrar-se por todo o mundo, com a proibição do cultivo, comércio e consumo da erva.

O contrassenso da Marcha da Maconha

No ano passado, usuários e simpatizantes da maconha no Brasil foram impedidos judicialmente de promoverem a Marcha da Maconha. Não precisa ser jurista nem operador do Direito para perceber a besteira em que o Judiciário incorre ao proibir que, na vigência do Estado Democrático de Direito, uma meia dúzia de "maconheiros" marche em defesa da erva, em uma dúzia de cidades Brasil afora.

Em 2009, a Marcha da Maconha já foi proibida em três capitais: Salvador, São Paulo e João Pessoa. Enquanto o Supremo Tribunal Federal não discute a inconstitucionalidade de se proibir um ato público em defesa de uma conduta tipificada como crime no Código Penal, eu fico pensando no contrassenso de um evento que congrega "maconheiros" para marchar.

Marchar? Marchar é coisa de estudante profissional, sem-terra e militar; não de doidão. Sugiro a mudança do "movimento" para Parada da Maconha...

4 comentários:

Marcelo Grossi disse...

Hoje é dia da Marcha da Maconha em Brasília. Acho que vou aparecer por lá.

Quem sabe o BOPE também não aparece para mostrar com quantas cacetadas se aperta uma "fina de cadeia"...

Anônimo disse...

quer dizer que maconheiro nao pode ser um estudante profissional? muito bom o texto, mas faltou falar que junto com a proibição veio o preconceito de as pessoas acharem que todo maconheiro é vagabundo
Além disso, quem vai pro BOPE? quem nao fez escola né, ou fez escola publica que é a mesma coisa, entao não da pra esperar que os policiais se comportem como humanos...

Marcelo Grossi disse...

Academia de Polícia Militar de Brasília
http://www.youtube.com/watch?v=HiiduKfhDZQ

Se você reparar bem, quem escreveu esse roteiro foi eu. Sou muito bem relacionado na PMDF. Já tive instrução de tiro no estande do BOPE e tomei cafezinho no Gabinete do Comandante do Batalhão.

E estudei em escola e universidade públicas. Vai encarar?

Marcelo Grossi disse...

Depois de quase um ano, acho que não.

Vai ver não entendeu a piada...