quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O tempo e o Lula

Eu votei no Lula em 1994, quando tinha 16 anos e acreditava em mim, no Che Guevara e no John Lennon, nessa ordem. Votei de novo em 1998, quando era calouro do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília e já tinha aprendido a duvidar de tudo e de todos. Em 2002, finalmente, com meu voto, a eleição de Lula: o presidente dos pobres, radicalmente oposto a FHC, o "rei-filósofo", colega que meus professores do SOL, sigla heliocêntrica usada para designar o Departamento de Sociologia da UnB, relegaram ao ostracismo acadêmico.



Lula: Presidente da República, cidadão do mundo, em essência é o mesmo de trinta anos atrás? O torneiro mecânico que se tornou sindicalista e, posteriormente, deputado federal constituinte. Ou o quase-Messias que salvaria o Brasil e, na verdade, provou que não era tão diferente de FHC, o tucano.

Lula, comunista?

Dizem que o poder corrompe. Mas, como nunca detive qualquer poder, não posso me valer, para avaliar o Presidente Lula, do ponto de vista de tucanos, DEMocratas ou antigos membros do Partido dos Trabalhadores que fundaram partidos nanicos; nem de quem, tampouco, nunca exerceu qualquer forma de poder conferido por terceiros. Assim, penso mesmo que o Lula de hoje é o mesmo Lula do começo da década de 1980, para além do alarde midiático e das imagens que as mídias constroem e descontroem de acordo com os interesses de quem as controla.

Esquecendo os discursos sobre o "comunista", desde 1989, e atendo-me somente à minha memória dos fatos, não acho mesmo que Lula seja ou tenha sido algum dia comunista em seu íntimo. É só lembrar, por exemplo, as asneiras que ele disse em seis anos de governo, quase sempre que discursa de improviso, para saber que ele não reza (mais?) a cartilha do marxismo-leninismo. Até porque a mera visão de mundo dessa cartilha, de um século atrás, não dá conta das complexidades da realidade contemporânea. Ou dá? Sei não. A menos que os marxistas-leninistas queiram conferir à literatura marxista e marxiana o mesmo estatuto que, por exemplo, os judeus dão à Torá: perfeita e imutável porque Deus é o mesmo e os judeus se submeteram ao jugo dela há milhares de anos.

Lula, oportuno ou oportunista?

Grande Lula! Dizem que ele fica injuriado quando críticos do seu governo afirmam que ele teve sorte no comando do Brasil, devido às conjunturas favoráveis, nacionais e internacionais, durante grande parte de seus dois mandatos. Agora que as "marolas" da crise internacional começam a assolar a economia real brasileira - a Vale demite e dá férias coletivas, a Petrobras toma 2 bi emprestados da Caixa e o futuro parece menos promissor -, Lula tem a oportunidade de provar que estamos enganados sobre ele: eu e aqueles críticos. Talvez um dia ele tenha sido mesmo comunista, haja vista que disse uma vez, provavelmente ao discursar no improviso, que a maturidade o afastara da esquerda. Talvez, quando comandou greves de metalúrgicos no ABC paulista, perdeu o emprego e respondeu por crime contra a Segurança Nacional, ele tenha sido comunista, sim. Talvez...



O tempo também mudou a vida de Cesare Battisti, comunista italiano julgado à revelia em seu país natal por terrorismo, acusado por sua militância política contra o Estado italiano, no seu direito legítimo de se insurgir contra a opressão e a favor das liberdades. Atentados contra o Estado brasileiro a atual Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, também cometeu na Ditadura Militar, no exercício dos mesmos direitos, não é mesmo? Agora, cabe ao Ministro da Justiça e ao Presidente da República a decisão entre a extradição de Battisti à Itália fascistóide de Silvio Berlusconi ou conceder-lhe asilo político no Brasil.

Quanto a Tarso Genro, advogado, abstenho-me de emitir qualquer parecer. Mas quanto a Lula, o presidente dos pobres? Será que ele vai fazer como Getúlio Vargas, o gaúcho que entregou Olga Benario Prestes, comunista alemã e judia, a Hitler, o austríaco que transformou o extermínio de judeus em política pública da Alemanha nazista?

Heil Lula?

4 comentários:

Lelê Teles disse...

Lula não é mesmo um cara fácil de se definir, aí também reside a sua diferença. É inconsistenteBatiste fazia parte de um apequena milícia aloprada. O assassinato que cometeu de forma covarde não foi nada político ou revoucionário, foi coisa de gente doente. Batiste merece a prisão.

Marcelo Grossi disse...

Lelê, sinceramente, acho que era essa a visão que, no Brasil, a classe média no Estado de Excecão tinha da POLOP, da VPR e da COLINA, por exemplo, em que Dilma Roussef resistiu à Ditadura Militar. Por isso, os militares decidiram exterminar todos os que se opuseram ao regime e caíram em suas mãos: eram uma "pequena milícia aloprada" e ninguém nunca se importaria com essa "gente doente" que tentava sabotar o "Milagre Brasileiro".

Marcelo Grossi disse...

CARTA DE CESARE BATTISTI AO CONARE (COMITÊ NACIONAL DE REFUGIADOS)

São muitos os anos de perseguição política que sofro. Confesso que estou cansado. Após minha fuga da Itália, a minha militância deu-se como escritor, usando o espaço que me deram as editoras francesas e italianas para criticas a época política italiana dos anos de chumbo.

Fui membro do PAC, mas nunca pratiquei atos de violência. Me abriguei em solo francês, pois a doutrina Mitterand protegia os militantes que renunciassem à prática de atos de violência. A verdade é que eu já havia publicamente renunciado à luta armada quando da morte de Aldo Moro. Tão logo percebi o caminho pelo qual a esquerda radical italiana poderia estar indo, fui radicalmente contra e cheguei mesmo a dizer a meus companheiros minha discordância.

Fugi para a França, e da França para o México, e do México para a França, e da França para o Brasil. A pé, de ônibus, de avião, de carro, enfim, da forma que fosse possível. Fugi cruzando territórios e fronteiras, que nem sempre eram a minha destinação original. Fugi muitas vezes pensando que nunca mais veria minhas duas filhas, meus amigos, minhas referências de vida.

Hoje estou cansado. Se volto para a Itália sei que vou morrer. Embora nunca tenha matado ninguém, me acusaram de ter matado policiais com base em um depoimento de um "arrependido" por delação premiada, que jogou a culpa por muitos atos praticados por ele próprio em mim. Sei que será difícil convencer as pessoas da verdade, pois mentiras contra mim foram repetidas mais de mil vezes.

Nunca pratiquei atos de violência contra quem quer que seja, e não há testemunha presencial que me acuse de tal prática.

Sei que tenho condições de viver o fim de meus dias com dignidades nesta terra maravilhosa, como outros militantes políticos de esquerda da época o estão fazendo. Sei que posso continuar minha carreira de escritor e tradutor sem interferir em assuntos internos.

Vim para o Brasil pois sabia do calor e do acolhimento que aqui receberia. Sabia também que o Brasil acolhe perseguidos políticos. Hoje tenho certeza que reúno condições de aqui trabalhar, de trazer minha família para perto, de estar ao lado de meus amigos que mesmo vivendo do outro lado do Atlântico nunca me deixaram só.

Recebi com muita alegria a mudança de orientação do governo francês, que decidiu não mais extraditar Marina Petrella. Ela não merecia a morte, e Mitterand havia dado a todas nós a palavra de que não seriamos extraditados. Sarkozy procura o caminho dos grandes estadistas quando dá a mesma palavra para as FARCs e quando protege Marina da morte que seria certa. A verdade é que tudo isso me dá no mínimo o direito de sonhar que serei aceito como refugiado político nesta terra maravilhosa chamada Brasil e que um dia poderei ver a verdade restabelecida também na França e na Itália.

Marcelo Grossi disse...

POR QUE DEVEMOS
APOIAR CESARE BATTISTI - RUI MARTINS

Na verdade, o pedido de extradição de Cesare Battisti é mais uma grande articulação da ultradireita européia (pelo menos italiana e francesa – Berlusconi e Sarkozy) no sentido de se fortalecer e construir governos/Estados ultracentralizados

Há quase dois anos, o italiano Cesare Battisti está preso no Brasil. Há duas semanas,o Comitê Nacional para Refugiados (Conare) recusou conceder-lhe a condição de refugiado. Na semana passada,a Comissão Executiva Nacional do PT adiou uma decisão quanto a uma extradição ou não de Cesare Battisti, reclamado pela Itália, acusado de ter cometido, há 30 anos, quatro assassinatos, quando membro de um grupo de extrema esquerda, e condenado, à revelia, à prisão perpétua.

O destino de Cesare Battisti está agora nas mãos do ministro da Justiça, Tarso Genro, ao qual cabe tomar uma decisão no recurso impetrado em favor de Battisti contra a decisão do Conare. Para interceder por Battisti junto ao ministro, em nome dos europeus reunidos em comitês de apoio, está em Brasília a escritora francesa Fred Vargas, que vem financiando o pagamento da defesa de Cesare Battisti.

Uma extraordinária campanha promovida pelo governo italiano ignorou as condições em que se desenrolou o processo, sem presença do acusado, e procurou transformá-lo num simples criminoso de direito comum. Essa campanha, no Brasil, acabou conquistando a revista Carta Capital, cuja matéria parcial parecia ditada pela embaixada italiana em Brasília. Na França não foi muito diferente: o jornal Le Monde e a revista Nouvel Observateur deixaram de apoiar Battisti, enquanto o Partido Socialista, em plena crise e num acesso de covardia, preferiu evitar pronunciamentos com receio do tema ser impopular, mesmo tendo sido o ex-presidente François Mitterrand o primeiro a proteger Cesare Battisti.

Por que a Itália se lembrou de Cesare Battisti, que, depois de mais de vinte anos de fugas, vivia tranqüilo em Paris, misto de escritor de romances policiais com zelador de imóvel para sobreviver? Por que a França, que já havia dado acolhida a Battisti sob o governo François Mitterrand, decidiu reabrir a questão?

Cesare Battisti é apenas um bode expiatório, cujo sacrifício é pedido por interesses políticos da direita, num momento de covardia generalizada do socialismo francês, enfraquecido por suas lutas internas. Ao exigir a extradição dos italianos perdoados por Mitterrand, em 2004, a Itália se aproveitava da derrota dos socialistas e da chegada ao poder de Jacques Chirac. A questão já estava praticamente encerrada, Cesare Battisti vivia legalmente em Paris com um título de residência permanente e estava prestes a obter a nacionalidade francesa.

Entretanto, o governo Chirac aceitou reabrir o caso para mostrar ao eleitorado de direita que não trilhava o mesmo caminho de seu antecessor socialista em matéria de anistia política. Houve também promessas de vantagens comerciais para a França por parte do governo italiano. Assim, o tribunal de apelação de Paris seguiu as decisões políticas do novo governo de direita e, em lugar de promover um novo processo ou rejeitar o pedido de extradição de Battisti, preferiu aceitar o julgamento feito na Itália, sem levar em conta como se efetuara.

Isso foi considerado uma aberração jurídica, à qual se seguiram diversas violações ditadas pelos interesses políticos daquele momento. Assim, houve a violação do direito de asilo concedido pela França de maneira tácita aos refugiados italianos fazia 20 anos, e também a violação da palavra do presidente Mitterrand em 1985, em termos públicos e noticiada pela imprensa. Houve igualmente violação da declaração escrita do primeiro-ministro que autorizou a entrega a Battisti de um documento de permanência válido por dez anos, ao qual se segue a naturalização do beneficiado. No mais, houve infração à Convenção Internacional dos Direitos da Criança, pois se ignorou a existência de duas crianças francesas filhas de Battisti, nascidas em Paris, e que seriam privadas do pai no caso de sua extradição.

Como todos os golpes são permitidos, é com ironia que a escritora Fred Vargas fala numa de suas entrevistas, na França: “No Brasil, não se extradita ninguém por crime político, então a Itália faz todo o possível para explicar agora que Battisti é culpado de crimes de direito comum”.

Da França para o Brasil

Pouco antes da decisão judicial francesa que o extraditaria para a Itália, onde iria apodrecer na prisão se não fosse morto, Cesare Battisti, que já havia fugido no passado da Itália para o México, retomou sua vida de foragido e acossado, conseguindo chegar até o Brasil.

Embora se julgasse em paradeiro desconhecido, os defensores franceses de Battisti afirmam que a polícia francesa sabia onde ele se escondia, e o então ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, preferiu adiar o pedido de sua prisão ao Brasil para a época das eleições, o que de fato ocorreu, a fim de reforçar sua candidatura à presidência.

A prisão ocorreu pouco antes das eleições presidenciais francesas, no momento em que Battisti ia receber uma ajuda em dinheiro para sua sobrevivência, enviada pelo comitê que o apóia na França.

Um ano depois de preso, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, deu parecer favorável à extradição, aceitando a argumentação do governo italiano de que Battisti cometeu crimes de direito comum e não político, sem entrar no mérito do próprio julgamento italiano, considerado por tantos juristas europeus como um simulacro de julgamento.

Na verdade, alguns membros arrependidos do movimento de extrema esquerda do qual participava Battisti, aproveitando-se de sua fuga, jogaram sobre ele todos os crimes cometidos pela pequena organização, acusações aceitas pelos juízes, muitos deles ainda hoje no Judiciário e desejosos de que o caso seja logo liquidado com a extradição de Battisti, para não serem levantadas as irregularidades processuais cometidas durante o julgamento do processo.

O Conare seguiu o parecer do procurador-geral e negou o refúgio humanitário a Battisti, e assim o Brasil – que no passado acolheu o colonialista francês Georges Bidault, o salazarista português Marcelo Caetano e o ditador-general paraguaio Alfredo Stroessner – pôde rejeitar o pedido de um combatente de esquerda que nega os crimes que lhe são imputados pela Justiça italiana.

Na verdade, o único processo efetivo contra ele foi o de ter pertencido a uma organização extremista de esquerda, pelo qual cumpria pena na Itália, até sua fuga para o México. A condenação por crimes a partir de denúncias de “arrependidos” foi feita à revelia (sem sua presença), e duas acusações parecem obviamente absurdas, pois tratam de dois crimes cometidos no mesmo dia em lugares distantes 500 quilômetros um do outro.

Circulam rumores na imprensa francesa de que teria havido um acordo entre Brasil e Itália-França, pelo qual entregaram o banqueiro Savaltore Cacciola para terem em troca Cesare Battisti.